terça-feira, 7 de abril de 2009

Sem título...

A noite mansa e agradável deixava o calçadão com a rara beleza de um verão fresco. No ar, o cheiro de pós-chuva fazia bem a quem sabia senti-lo. A velocidade tresloucada com que as centenas de transeuntes cruzavam aquele pedaço da cidade todos os dias os impedia de, hoje, perceberem dois vultos caminhando entre eles em busca de algo mais que comida ou dinheiro, talvez atenção.
- Nos somos dois irmãos que viemos andando do Rio até aqui, minha senhora... – Dizia um homem negro, de barba rente ao rosto e agachado no chão. Ao seu lado erguia-se um imponente cão vira-latas, eminentemente branco e com manchas marrons pelo corpo, os dois ligados apenas por uma coleira que haviam ganhado noite passada de um senhor de meia idade. Vieram sozinhos a uma cidade desconhecida, em busca de oportunidades melhores e de uma vida nova, longe de uma violência que se acostumaram a evitar de perto. Por horas a fio, pediram algo que os pudesse ajudar no sustento do corpo e os mantivessem de pé até o dia seguinte.
As suas costas se encontram à porta de uma loja quando eles se sentam para descansar. Analisando o que tinham recebido, contou dois reais e trinta e cinco centavos, um vale transporte, uma bananada, biscoitos e um sanduíche feito pela mãe de algum aluno de ensino fundamental, renunciado carinhosamente. O homem acariciou atrás das orelhas de seu companheiro e abriu primeiro o sanduíche para dividirem. O dinheiro ficaria guardado, para garantir o almoço do dia seguinte. Ingeriram rapidamente o pão e os biscoitos juntos, mas o doce o homem comeu sozinho – O cão havia tomado remédio para vermes há poucos dias, e não lhe parecia conveniente dar-lhe bananada logo depois disso.
Não estavam satisfeitos, mas o alimento que ganharam fora suficiente para enganar o estômago até o dia seguinte. Amanhã, outra luta começaria. Deitaram-se lado a lado, sem saber o horário em que a loja abriria – o que podia lhes possibilitar problemas pela manhã. Abraçados, homem e cão adormeceram, guardando um exemplo de carinho que, aos outros, dava asco de ver.

2 comentários:

Os Sevandijas disse...

É... bom saber duas coisas: aprimeira é que esse blog É duenti e que Os Sevandijas tem muito a ver com ele. Inclusive, ficaríamos gratos em estabelecer um contato maior entre nós, Duentis e Sevandijas.

Outra coisa boa de saber, é que ainda tem GENTE como você no mundo, que repara detalhes, que observa pessoas, mas não com olhar crítico, mas estudioso. Muito bom esse post.

Mariana Mendes . disse...

Muito bom!

Você sabe que sou sua fã ;D