quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Primeiras patologias...

Meu caro companheiro, antes de você adentrar nesse texto eu preciso informar-te que ele não é nada do que espera. Ou melhor, sei lá o que você espera, ou sei lá quem é você que está lendo, mas acima de tudo deixe isso de lado. Não espere. O tempo cuida de nos ensinar que não devemos esperar, só ter esperança.
Tenho vontade de escrever quando minha alma sente frio. É pena que isso não aconteça com a freqüência que eu gostaria, mas quem disse que desejo é suficiente? Bem, muita gente diz, mas não eu. Ou será que eu? O fato é que eu (se é que posso me chamar assim) me sinto bifurcado e partido. Como se o mim mesmo vivente que mora escondido quisesse tomar parte do teatro da vida, mas não encontrasse nenhum papel – os personagens estão todos muito bem divididos. O que resta para o eu continua sendo um quartinho nos fundos, sem janela e com parca iluminação, decorado por quadros baratos e um criado-mudo. Só.
O que eu sou hoje (Eu? Ao menos o que responde por eu) não é o que deveria ser. Ninguém é o que deveria, me dizem, mas talvez por isso mesmo não sejam. O que se lê às claras no semblante cansado das minhas máscaras de borracha é um conjunto de artifícios e manobras para. Para que? Ah, isso não tenho coragem de falar. Não sei se eu eu mesmo ou eu só, mas um de nós é um covarde... Ou os dois.
Isso deve estar cansando a você, leitor. Mas que leitor? Talvez tudo isso se perca pra sempre. Mas ao menos a mim isso já cansou. Sinto necessidade de chegar a um ponto final, mas não tenho nenhum caminho para seguir. Como encontrar o fim de algo que não se conhece um início? Acho que o que o eu (eu mesmo) acredita que merece ser não o é. Por isso o outro eu – se é que pode se chamá-lo assim – apareceu. Maléavel, esperto, confiável e gentil. E eu, que não pude me tornar assim, tive que dar espaço a um alguém mais que tomou o (meu) lugar.
Sinto que alguma coisa me falta, mas não me vem à mente nada. Talvez nuvens escuras, sentimentos puros e sem razão, descobrimento, fé no dia a dia. Saudade de não sei o quê. Quando fecho os olhos já me imagino dormindo. Isso é meio caminho para estar morto.
Outra coisa me incomoda profundamente (e isso incomoda ao eu de verdade, embora o eu mascarado e esperto não saiba mostrar muito bem o que há). Enquanto eu, um bem alimentado burguês de classe média, com roupas de frio e cama pra dormir estou em casa aumentando o volume da minha barriga e reclamando da vida, pessoas morrem de fome do outro lado da minha calçada. Heróis falsos derrubam assassinos inocentes, crianças choram por não encontrarem leite suficiente nos seios estéreis das mães. E eu aqui.
Frequentemente me vem à cabeça que aquele homem que hoje me pediu um trocado merece muito mais do que eu – O que não é difícil, seja lá de quem se trate. O doente que carece de tratamento não têm condições de pagar, ou mesmo de ter acesso à saúde. A menina que jamais reclamou do almoço engrossa a comida com o resto da farinha. A dona de casa chora porque não sabe mais ter fé. E aí uma contradição: Eu que acho que mereço muito mais também acho que não mereço nada – E cumpre lembrar que essas duas afirmações partem de um mesmo eu.
Como alguém pode ser tão cara-de-pau a ponto de reclamar da vida como “eu”?
Se o eu é tão confuso assim, justifica-se a criação de eu outro e sua ascensão. É mais fácil mostrar um eu pouco vivente e guardar o louco pouco sociável no quarto – aquele, lembram? Mas o eu renegado um dia sente falta de Ser.
E agora? Que sou eu para permitir que eu aja da forma como lhe convenha? (Não sei mais como usar os pronomes!) O eu verdadeiro é o que sou agora ou o que abandonei? Me parece que nenhum dos dois. Minha busca não termina com o fim de um pequeno texto escrito às pressas (e pressa por que?) numa noite escura de um dia de semana. Minha busca não termina. Talvez minha busca comece agora se eu tiver a coragem que eu preciso pra enfrentar os exércitos e muros que me separam do que quero Ser. Ser de verdade. Para isso, é preciso falar pouco, ser alegre, sair na chuva, pensar em Deus, comer pão puro. Minha maior dor é um dia ter desistido de mim.

3 comentários:

Bewildered disse...

otimo texto
muito bom
duentio eu diria
ahahahah

Mariana Mendes . disse...

Muito bom!
Mesmo!

E nem tão doente assim...
Ou talvez eu já tenha me acostumado com minhas doenças e não veja bem as doenças nas outras pessoas.
Rsrs

Sei lá.
=D

Vitor Lécio disse...

Seu DuentI, desajustado em uma sociedade patologicamente duentE.